Auto-retrato: Vaidade ou Expressão?

A questão, para mim, está no "porquê" destas imagens - e até que ponto esta questão importa realmente.

Há uns dias discutíamos num ensaio alguns fotógrafos mestres na arte do auto-retrato - ao ponto de alguns deles trabalharem exclusivamente com este tipo de fotografia. E alguém soltou, em tom de brincadeira, um "esta é um bocadinho narcisista!". Mas esta brincadeira deixou-me a pensar: porque é que fazemos estas fotografias? E, numa onda mais relaxada, porque é que tiramos selfies? E no que é que são diferentes?


Selfies vs Auto-retrato?

Tod@s conhecemos alguém que vive para tirar selfies e que as publica todos os dias nas redes sociais. E tod@s conhecemos alguém que nunca as tira e até abdica de bom grado entrar nas de grupo. Na prática, considero que são uma forma quase fast-food de auto-retrato, uma expressão de quem somos e de como nos sentimos num dado momento, no imediato. E isto diz muito sobre a nossa auto-estima: para o bem e para o mal. Há já psicólogos que afirmam que as selfies são responsáveis pelo agravamento de dismorfias corporais e estados obcessivo-compulsivos relacionados com a imagem, que muitas vezes levam a que julguemos real o que vemos nos ecrãs - nunca se esqueçam que as lentes das câmaras causam distorção da imagem! Mas não entremos em detalhes sobre redes sociais porque isso daria toda uma nova discussão. A minha questão é: qual a diferença entre uma selfie e um auto-retrato?

Para mim, é o propósito. É o imediato vs o reflectido. É o fácil vs o propositado. Vejo-as como duas coisas distintas e, por isso, nunca vou olhar para uma selfie e esperar uma história, um conceito, embora consiga apreciar uma emoção que vem com ela. Já no auto-retrato, essa é provavelmente a parte da imagem que mais a enriquece.





Vaidade ou Expressão?

E porque não as duas? Há algo inerente ao conceito de "vaidade", algo mau, uma culpa católica que nos persegue e nos impede de dizer com segurança que somos vaidosos ou que gostamos da nossa imagem. Pois bem, sou da opinião que um pouco de vaidade nunca fez mal a ninguém, desde que se traduza em confiança e nunca em sobranceria. E isto tudo para dizer: coincidência ou não, foi a partir do momento em que o meu eu-adolescente começou a fazer auto-retratos (muito cringeworthy e dignos dos anos 2000) que comecei a ter um pouquinho de amor por quem via ao espelho. 






E se é verdade que muitos artistas exploram apenas a parte da expressão, o conceito, a mensagem, também é inegável que é necessário um mínimo de confiança na sua própria imagem e da sua capacidade de cumprir com o pretendido - nem que seja um orgulho dos seus traços, mesmo que não seja a "típica vaidade"! -. Posto isto, não acho que este seja o ponto fulcral. Ninguém se dá ao trabalho de montar todo um cenário, brincar com conceitos, luzes e formas, explorar, investigar, apenas para mostrar os seus lindos olhos. Há caminhos mais fáceis. Vejam, por exemplo, a #52sisterhood no Instagram, em que seis fabulosas fotógrafas portuguesas - incluíndo as duas maravilhosas Joana Cardoso e Ana Luísa Pinto - encheram o nosso 2018 de auto-retratos poderosos e cheios da sua interpretação do mundo.

Vejo no auto-retrato a possibilidade de exprimir realmente o que nos vai na cabeça e que não conseguimos pedir a ninguém que traduza - de forma mais ou menos profunda, claro. Estou longe de chegar à criatividade de quem realmente é mestre nisto, mas gosto de usar este tipo de fotografia para contar um qualquer pensamento, história ou emoção que me passa pela cabeça. E que não consigo explicar a ninguém - seja por falta de comunicação ou por falta de recursos. A solução é ser eu a modelo e fotógrafa, a actriz, a encenadora e o público de mim mesma.





Agora aponto a objectiva para vocês:

Vêem neste tipo de fotografia uma forma de mostrar algo ou acham que é apenas fruto da vaidade? Há aqui um lado de narcisismo ou é simplesmente mais uma forma de contar uma história? Sem medos - quem não fica minimamente vaidoso quando vê uma boa foto sua que atire a primeira pedra! :)


6 comentários :

  1. Damn, Ji, absorvi cada palavrinha deste texto e ainda o re-li!
    Primeiro obrigada por mencionares aqui a pequenina da minha pessoa e o projecto ali em cima, depois disso obrigada por abordares este tema que me é, de um modo, muito próximo.

    Por mim falo, mas as selfies nada têm a ver com o auto-retrato, ou têm mas muito pouco. Faço as duas coisas e se as selfies são pouco mais que a expressão de um momento ou um instante de vaidade, o auto-retrato serve-me e surgiu na minha vida para poder contar histórias quando não tinha mais ninguém para o fazer. Com o auto-retrato consigo explorar temas e métodos que poderei ou não depois colocar em prática com outras pessoas, mas sirvo-me de cobaia a mim mesma para testar, para experimentar, mas criar algo e nem sempre os auto-retratos são amostras de vaidade, pelo menos pessoalmente, já que represento coisas bem negras e nada bonitas.

    Sirvo-me de mim mesma e do meu corpo como veículo para contar histórias e foi o auto-retrato que me impulsionou ainda mais para a fotografia e eventualmente para o ser fotógrafa e deixar sair de mim muita da criatividade e ideias que tinha e que não conseguia exteriorizar e materializar de outro modo.

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    1. Obrigada Jo <3 tu és uma mestre do storytelling com auto-retratos, não podia deixar de te referir aqui! E vejo no teu trabalho tudo isso que referes: sem medos, sem receito do que é pouco convencional, mais ou menos negro, contas uma história em cada imagem. E caramba, isso é lindo de ver!

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  2. Eu adoro acompanhar o trabalho de quem o faz, exactamente pela componente de storytelling. Agora sou mais de selfies, verdade seja dita!

    THE PINK ELEPHANT SHOE

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  3. Mesmooo! E acho que isso é bom da cor :D

    Não sou fã de selfies - por achar que não as sei tirar -, mas sou fã de auto-retratos. Total e completamente formas de expressão. Adoro criar cenário, montar o tripé, pôr a máquina no temporizador e exprimir-me para ela como tantas vezes faço no instagram!
    Acho que a minha veia mais "editorial" está presente em praticamente todos os auto-retratos que fiz. :D
    Por mais publicações como esta, please!

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  4. Muito obrigado, minha linda!!! Tão mas tão reconfortante ler isso <3

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  5. Acho que nunca tentei o auto-retrato. Quanto ás selfies nunca fui grande fã, gosto mais de mostrar do que de me mostrar. No entanto essa reflexão é pertinente, nem sempre a vaidade está na origem. E mesmo que esteja não é uma coisa má. Cada um deve expressar-se da forma que preferir, sempre sabendo que o respeito por si e pelos outros é primordial.

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