Lomo

Podia dizer-vos que estas fotografias vêm na sequência do meu post sobre o Wabi-Sabi, mas estaria a mentir. Não, não são imperfeitas de propósito. São imperfeitas porque eu acrescentei a minha falta de experiência à estética já de si imperfeita da Diana F+.

Em todo o caso, não posso negar que gostei imenso dos resultados - sim, eu sei, imagens aleatórias e desfocadas e tudo isso. Sobrexposições, movimento, falta de foco, uma vinheta daquelas: tecnicamente estão uma desgraça. Esta máquina é uma aventura! Mas a verdade é que gosto imenso das imagens. Tenho que aproveitar este tempo de "clausura" para ir buscá-la ao fundo da gaveta.



Não sei quantos dias depois

O abraço da minha Mãe. O riso do meu Pai. 
A Chica às minhas cavalitas. O sorriso doce da Mariana. As private jokes com o meu irmão. 
A viagem que tínhamos marcado para Berlim. 
O caminho diário para o trabalho. Os ensaios de sexta-feira à noite. A ida ao mercado e à feira ao Sábado de manhã. Os passeios de Sábado à tarde. O cinema ao Domingo. A piscina ao final da tarde.

Nem sei se tenho saudades ou se é tudo tão inacreditável que estou "parada no tempo".

Parece que estamos a a viver num episódio qualquer meio esquisito de Black Mirror. É tudo surreal, estranho. As imagens de ruas vazias - e eu, como nem saio de casa, nem as vou ver ao vivo -; o trabalhar sem sair daqui; a sensação de desconfiança e, ao mesmo tempo, de companheirismo nas raras visitas ao supermercado. Valha-nos a tecnologia. Valha-nos a capacidade que criamos de comunicar, entreter, informar, ou estaríamos a ficar todos doidos - não duvido disso nem por um segundo.

Faço o esforço consciente de seleccionar a informação que consumo. Estou farta de mensagens, áudios e vídeos no Whatsapp e no Facebook a ser augúrio da desgraça e a procurar que entremos em pânico e a virar o país x contra o y. Estou farta de irritações e críticas desprovidas de argumentos, numa situação em que era absolutamente impossível alguém estar preparado, e em que é ainda mais impensável achar que alguma solução é perfeita. Estou farta de ver números, mitos e queixas atiradas ao ar por quem provavelmente não cumpre sequer o que é pedido - e que, a bem dizer, é tão pouco. É só não atrapalhar. Agradeço e admiro mais a cada dia que passa quem mantém o mundo a funcionar.

AURORA, ou a peça sobre todos nós


Poderia tentar descrever a sensação de representar numa peça em que contamos a história de pessoas sem nome, pessoas que procuram fugir de terrores inimagináveis ou de uma miséria que não imaginamos possível. Hoje ou há 60 anos. Poderia dizer-vos que tentamos sentir na pele o abandono do mar, o vento e a luz que não sabemos se é vida ou morte.

Mas não vou tentar fazê-lo, porque sei que em nada se compara às sensações vividas por aqueles que realmente vivem as histórias que contamos. Seria injusto tentar pôr-me no lugar deles e delas, enquanto escrevo sentada confortavelmente, na minha casa, no meu país de paz, na minha segurança, e me lamento dos meus problemas diários que na verdade não são mais do que inconveniências.




Vemos relatos de crueldade inexplicável com quem foge da guerra e do terror ou da miséria nas suas casas. Vemos e ouvimos disparates xenófobos, alarmistas e desumanos de quem não consegue olhar para trás e ver a história do seu próprio povo, ou olhar para o lado e pôr-se no lugar do outro. Ouvimos as histórias dos nossos pais, avós, tios, que nos contam de quando fugiram da miséria ou da ditadura, a salto, até França.

AURORA é história destas pessoas sem nome, de lutas sem fim à vista, do mar que nos entrega a qualquer lado. De quem luta por uma vida qualquer, enquanto os outros "dançam até à exaustão".