Fórum de Ideias | Despedidas Sem Chorar

Ser digna na partida, na despedida,
Dizer adeus com jeito,
Não chorar para não enfraquecer o emigrante, 
Mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo.
Dobrar-lhe as camisas,
Limpar-lhe as sapatilhas com um pano húmido,
Ajudá-lo a pesar a mala que não pode levar mais de 20 kg.
Quanto pesará o coração dele? 
E o meu?
Três pares de sapatos, um jogo de lençóis, o corta-vento,
Oferecer-lhe a medalha que a mãe usava sempre que partia 
E que talvez não tenha usado quando partiu para sempre,
Ter passado o dia à procura da medalha pela casa toda,
Ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui!
Pensar que a data escolhida para partir é a da morte da mãe.
Pensar que a mãe não está comigo para lhe dobrar as camisas e mesmo assim não chorar.
Nunca chorar!
Mesmo que o pai esteja a chorar,
Mesmo que estejam todos a chorar.
Tomar umas merdas se for preciso, 
Uns calmantes, uns relaxantes, uns anti-oxidantes para não chorar.
Andar a pé para não chorar,
Apanhar sol para não chorar,
Jantar fora para não chorar,
Conhecer gente - mas gente animada.
Pintar o cabelo e esconder as brancas, que os grisalhos são mais chorões.
Dizer graças para não por também os amigos a chorar,
Os amigos gostam de nós é a rir.
Ver séries cómicas até cair, 
Acordar mais cedo para lhe fazer torradas antes da viagem,
Com manteiga, com doce de mirtilo,
Com tudo o que houver no frigorífico, 
E não pensar que nunca mais seremos pequenos outra vez,
Cheios de mãe e de pai no quarto ao lado,
Cheios de emprego no quarto ao lado,
Quando ainda existia Portugal.
É tanto o que se pede a um ser humano no século XXI.
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Mas que não chore.

Manual de despedida para Mulheres Sensíveis, de Filipa Leal [Transcrição]




Este fim de semana fui fazer uma formação que me fez reencontrar muitos colegas que terminaram o curso sensivelmente na mesma altura que eu. E a realidade bateu-me com força. [Novamente].

Estágios com fim à vista. Contratos precários. Pagamentos miseráveis para alguém com capacidades técnicas e uma vontade imensa de aprender e de inovar. Afinal de contas, somos engenheiros, e modéstia à parte, somos um dos maiores motores do avanço da sociedade em tantas áreas.

Desemprego. E uma sociedade que vê a emigração dos nossos cérebros mais jovens e frescos como algo "normal", depois de um investimento enorme na sua educação e com consequências horríveis no avanço, no envelhecimento, e no empobrecimento cultural e económico deste país. Não é só na engenharia. É também na educação, na medicina, na enfermagem, na construção, na psicologia, e em todas as áreas. Exploração e desrespeito. É grande parte do que vejo.

Felizmente, tenho a sorte de este não ser um fantasma que me assombre de tão perto, embora esteja sempre à distância para qualquer um da nossa geração, mas vejo-o todos os dias a perseguir os meus amigos, os meus colegas de curso, e quase todos os jovens que conheço. E dói.

Há uns tempos assisti ao "Jacarandá", um espectáculo em que o Pedro Lamares recitou um poema que me deixou banhada em lágrimas. E esse poema diz tudo. Escrito pela Filipa Leal, uma poetisa portuguesa - porque sabemos o que são as despedidas. Acho que todos os portugueses sabem... afinal de contas, parece que nos está no sangue aproveitar assim as "oportunidades", como já por aí se disse. Mas cabe também à nossa geração levantar a voz. Fazer-se ouvir. Intervir. Caso contrário... temo por este cantinho à beira-mar.

Que venham dias melhores...


17 comentários :

  1. Essa realidade é uma das muitas que me revolta. Andamos nós empenhar-nos num curso, com todos os custos que isso traz, seja de tempo ou de dinheiro, para nos tornarmos aquilo que queremos ser no futuro. Para contribuir para o avanço da nossa sociedade. E o que é que temos em troca, depois do nosso esforço? Não podemos ser aquilo que gostávamos, por não nos dão essa oportunidade. Ou então temos a sorte de o ser, mas não devidamente reconhecidos. Depois temos três soluções: ou vamos embora deste país que não nos reconhece; ou aceitamos e ficamos caladinhos com as migalhas que nos dão; ou aceitamos mas nunca deixamos de contestar as condições em que nos encontramos! E esta última hipótese acho que devia ser a que todos deveriamos escolher. Como dizer, levantar a voz, intervir! E nunca aceitar esta injustiça calados.

    Excelente post, Joaninha :) As always, no teu forum de ideias :)

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    1. Concordo a 100% - se nos calamos, a coisa só vai piorar! É ridículo, mas tenho esperança que a nossa voz vá substituindo a dos "velhos do restelo", temos é que fazer por isso.

      Thank you, gurl <3

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    2. Conheço a Cat e achei que pegar nesta opinião de não nos calarmos era a dica perfeita para dizer que eu, enquanto bolseira de investigação, sem qualquer direito, também nunca me vou calar.
      É demasiado triste ter os meus amigos espalhados pelo mundo, sem ser por o quererem verdadeiramente. É demasiado triste pensar que não podemos ambicionar um futuro melhor para nós mesmos, como se não valesse a pena sonhar. E pensar assim, para mim é insuportável. Sou uma sonhadora e quero para mim e para os meus o melhor, e isto, não é de todo o melhor... Que sejamos o grito de mudança.

      Parmim

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    3. Disseste tudo, Diana! É triste mesmo! Então para quem avança para a investigação, eu tenho a ideia que ainda é pior...parece que o conhecimento é menosprezado neste país, parece que é um "luxo" - mas isto estende-se a tudo, à investigação, à cultura, às artes...parece que só importa o que vende e muito. E de preferência com poucos custos, por isso nem sonhemos em ter bons ordenados. Ridículo.

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  2. Infelizmente conheço esta realidade de perto. Da minha turma da Universidade, penso que apenas um ou dois conseguiram emprego na área, o resto ou está em casa ou em lojas e derivados. É triste e revoltante pensar no tempo e dinheiro despendidos a obter um canudo para depois acabar pior que muitos que nem o Secundário terminaram. Sim, porque ou não temos os 5 anos de experiência necessária mal acabamos o curso (impossível e ridículo) ou então temos qualificações a mais. Enfim, uma miséria.

    Ricardo, The Ghostly Walker.

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    1. Sim, revoltante é mesmo a palavra certa. Somos a geração mais bem formada e, ao mesmo tempo, a mais "explorada", muitas vezes porque não temos mesmo alternativa. Há que ir batendo o pé!

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  3. Eu tenho esperança que melhores dias virão! Tenho esperança que as vozes se irão insurgir e mudar a realidade um dia! E que estes nossos alunos, estes nossos jovens, possam ficar no seu país a fazê-lo prosperar, a criar os seus filhos...

    O poema é qualquer coisa, de facto, muito pungente!

    beijinhos, Nádia
    My Fashion Insider

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    1. Estou como tu. Se não tivermos esperança, bem que vivemos assombrados pela falta de perspectivas! Mas parte de nós iniciar a mudança!

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  4. Não conhecia o poema e deixou-me completamente desarmada. Ter alguém da família no estrangeiro porque não encontrou em Portugal trabalho que lhe proporcionasse uma vida digna tornou-se o "pão nosso". Eu já nem menciono o que o país perde ao deitar fora uma geração altamente qualificada (e na qual investiu), mas antes a tristeza que é uma pessoa não poder desempenhar a área para a qual estudou e se esforçou por conhecer, a vergonha que é termos de nos submeter a trabalhos completamente precários - quando investimos anos para sermos e tornarmos o país em algo melhor. O trabalho digno devia ser um direito básico numa sociedade desenvolvida, mas não é. Enfim, estou como tu, "que venham dias melhores". Têm de vir!

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    1. Infelizmente, tens toda a razão. É o "pão nosso" mesmo...e quão triste isso é. Não consigo pensar nisto sem ficar com o coração apertado. Têm mesmo de vir. Eu espero que isto seja como os ciclos económicos - e se já batemos no fundo, piorar não é possível!

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  5. É uma triste realidade....mas pelos visto os nossos políticos e empresários continuam a achar a emigração em massa dos jovens uma coisa normal. O ordenado mínimo, os falsos recibos verdes outra e despedirem mulheres, por quererem engravidar ou estão grávidas são tudo uma vergonha!!! Todos falam em mudança, mas em três anos a viver na Suíça não vi mudanças, apenas mais desemprego em Portugal.

    P.s.: não conhecia o poema, mas é bastante bonito.

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    1. Sim, as mudanças são só fogo de vista. Confesso que me faz uma confusão dos diabos o discurso de que "Portugal já saiu da crise" - eu não vejo nada! Espero honestamente que as coisas melhores agora, mas acho que terá que partir do povo, não da classe política...

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  6. Hoje em dia deparamo-nos com essa triste realidade. Infelizmente muitas pessoas do meu curso estão empregadas em sitios diferentes da área, assim como eu, enquanto acabo a tese e também não vejo um futuro promissor a minha espera.


    xoxo, Sofia Pinto
    Last Post ♥

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    1. Pois, infelizmente essa situação é tão frequente em tantas áreas, e perdem-se tantos bons profissionais assim...já para não falar na própria vida das pessoas, que fica feita num 8. Tudo bem que não há lugar para toda a gente ser tudo o que sonha, mas quando se parte para o abuso e a exploração, a coisa piora de figura.

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  7. A despedida não é nada fácil....o melhor era nunca precisar desse manual.

    Isabel Sá
    http://brilhos-da-moda.blogspot.pt

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  8. Até me caiu umas lágrimas deve ser toa difícil

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  9. Me emocionei...Tenho meus pais e irmã longe de mim e é muito difícil conviver com a saudade...Principalmente em datas festivas
    Beijinho querida e bom fim de semana :)

    Tem post novo hoje no blog, se tiver um tempinho passa lá ;)
    http://themarielement.blogspot.pt/

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