Personal | Nada demais


Não foi nada demais,
Mas o beijo que me deu não foi pedido.
O toque com o corpo todo,
Pele nua, "macho latino",
Não foi porque eu assim o quis.
A saliva na minha face
Não foi porque a pedi.

Não foi nada demais,
Mas eu não pude escolher.
Sem reacção, sem defesa, sem
Mim
No meio disto.

Não foi nada demais,
Mas eu não tive uma palavra a dizer
A não ser os insultos que explodiram
Como raiva em estado sólido.

Não foi nada demais,
Mas "podia ter uns calções mais compridos
Ser mais discreta,
Andar agarrada ao meu namorado".
- E se a culpa foi minha?

Não foi nada demais,
Mas será que se não estivesse no meio da multidão,
Noite de São João,
Seria só isto?

Não foi nada demais,
Mas vi o teu cabelo a ser puxado
Irmã
E ele - outro, jovem, bonito, charmoso - rindo.
E tu sem reacção.
Como eu.

Não foi nada demais,
Mas não pedimos isto.

Não foi nada demais,
Estes são só dois homens
Que escolheram invadir o nosso espaço,
E não foi nada demais
- Brincadeira, dizem.

Não foi nada demais,
Mas eu
Que não odeio homens
Dei por mim com medo de cada um que passava por mim
Olhos de predador
De dono
De quem tem o direito
De me invadir.

Não foi nada demais.
[Medo, impotência, insegurança]
Mas não esqueço.

Resumo da minha noite de sábado. Não foi nada demais, de facto - e tenho sorte por isto ser o pior que já me aconteceu (obrigada a quem já me perguntou, eu estou bem, mesmo! <3, mas não podia deixar morrer o assunto sem falar nele). Mas não posso deixar de imaginar como será que se sente alguém que passe por algo pior, se eu fiquei tão enojada, vazia, chocada só com isto. A sensação de vazio, de ter alguém a invadir o meu espaço sem autorização, [alguém que já antes me faria atravessar a rua por medo, dando razão a todos os meus preconceitos] e rir-se disso, foi das piores coisas que já senti. 
Não se julguem donos de ninguém. 
E falem. Usem a vossa voz. 
Não aceitem que vos digam que "é normal". 
Não é normal ter medo. 
-

PS.: Sei que não é a minha praia, e nem é meu hábito escrever assim, mas talvez seja a melhor forma de vos falar deste assunto. Corro o risco de parecer exagerada, eu sei. Mas façam dos comentários o vosso espaço também, tal como eu faço deste o meu canto, no qual quero acreditar que podemos ser honest@s.


12 comentários :

  1. Respostas
    1. Estou, Rita, obrigada, de coração <3 apenas quero que se pense um pouco nisto - e se servir para algum homem perceber que as suas acções têm consequências, ou para começarmos a avisar os nossos disso mesmo, já fico feliz! Um beijo*

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  2. Li este texto ontem mas não consegui comentar logo.
    Espero que estejas bem.
    Preocupa-me esta frase: "- E se a culpa foi minha?".
    Não me parece lógico que esta invasão ocorra. Somos adultos? Seremos mesmo?
    Haverá respeito? Ou somos só perpetuadores do que sempre foi assim... é normal... ela estava a provocar...
    Tantos pensamentos me atropelam a cabeça.
    A culpa não será nunca de quem é invadido. O comportamento errado é falta de respeito pelo espaço do outro.
    Desculpa este comentário meio perdido...

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    1. Querida Lu, não é nada um comentário perdido, era precisamente essa reflexão que queria provocar. E essa sensação de "será que a culpa foi minha" acho que nos invade inconscientemente, de tão intrincada que está na sociedade. Não acredito que seja uma questão de maturidade, mas sim de educação e respeito... Que infelizmente falha a muita gente. Homens e mulheres que não compreendem a noção de segurança e de respeito pelo próximo ...

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  3. Ai que coisa horrível, espero que estejas bem! De facto, há homens que acho que têm o direito de tudo. Ah que nojo de gente.

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    1. Estou, obrigada, Bea <3 suponho que é uma questão de educação, em muitos casos (embora neste em particular, não me parece que só isso evitasse...)...vamos mudando o mundo aos poucos.

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  4. Ai Jiji que marado! Percebo te tão bem quando tocam me sem eu pedir ou até mesmo aproveitam sevde multidões para apalpar, não é suposto, não deves entrar na vida de alguém dessa forma, é privado demais.
    Não tentes argumentar pelo que tens vestido, isso não conta. É a índole do outro lado, a roupa serve para nos expressarmos e ninguém tem o direito de pensar que estejas à procura do que seja pela roupa que vestes.
    Muitos beijinhos e abraço apertado! Espero que essa lembrança desapareça rápido.

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    1. Obrigada, Martinha! Sim, eu racionalmente sei que até poderia estar nua no meio da rua, que ninguém teria o direito de me tocar. Mas é impressionante como isso nos vem logo à cabeça...resta-nos falar nisto para ver se eles percebem. <3

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  5. 2 palavras: odeio machismo.
    Espero que estejas muito melhor, e acredito que sim, minha querida.
    xo, Ana Rita Leite

    WHITEDAISY

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